Os esteroides anabolizantes androgênicos (EAAs) é uma classe de fármacos que são derivados sintéticos da testosterona. A utilização dessas substâncias é considerada dopping pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), porém observa-se o uso em diversos esportes, entretanto esse uso é mais prevalente em bodybuilders e praticantes de musculação recreativos almejando aumento de massa muscular e/ou enquadramento no padrão estético da sociedade atual.

A utilização dessas substâncias sem necessidade médica vem aumentando ao longo dos anos e sendo atualmente considerada como um problema de saúde pública, isso porque, há uma grande prevalência do abuso dessas drogas no mundo, em 2016 estimou-se que cerca de 6,4% dos homens e 1,6% em mulheres estavam utilizando esses fármacos.

Essas substâncias geram normalmente efeitos anabólicos e androgênicos, os efeitos desejáveis são os anabólicos, em contrapartida, os androgênicos são indesejáveis e, por isso, no processo de produção sintética há uma procura em aumentar os efeitos anabólicos e atenuar os efeitos androgênicos.

Estudos com essas substâncias são muito difíceis de serem realizados por conta do impedimento pelos comitês de ética, entretanto em alguns poucos realizados observa-se um efeito dose-resposta no ganho de massa muscular, porém, esse efeito dose-resposta também é observado para os efeitos colaterais. Por isso, a premissa é válida: quanto maior a dose, maior o músculo, porém, maiores os problemas. O que fica claro ao avaliar que o risco de morte por qualquer causa em usuários é três vezes maior comparado com não usuários.

Por muito tempo, essas substâncias foram utilizadas no tratamento de algumas condições clínicas, como queimaduras, osteoporose, depressão e HIV. Entretanto, devido aos seus grandes efeitos anabólicos, vêm sendo utilizadas também para melhora do desempenho em diversas modalidades.

Existe uma infinidade de substâncias, podendo ser administradas por via oral, intramuscular ou transdérmica. As drogas utilizadas pela via oral passam pelo processo de adição de um grupamento alquil na posição alfa do carbono 17, sendo chamados de 17-alfa-alquilados. Essa modificação possui a finalidade de aumentar a meia-vida da substância, evitando sua rápida depuração pelo fígado. Todavia, esse processo as torna mais hepatotóxicas, sendo associadas com alterações bioquímicas de enzimas hepáticas, esteatose hepática, hepatite, tumores hepáticos e cirrose.

Os mecanismos de ação desses EAAs são similares ao da testosterona e de seus derivados (DHT), se ligam aos receptores androgênicos intracelulares e, com isso, desencadeiam uma sinalização intracelular que culmina na transcrição de RNAm de diversas proteínas.

A produção endógena de hormônios esteroides é altamente regulada por feedback negativo pelo eixo hipotálamo-hipófise-gonadal (HHG). O hipotálamo libera GnRH (hormônio liberador de gonadotrofina), que estimula a hipófise anterior a liberar as gonadotrofinas (LH – hormônio luteinizante e FSH – hormônio folículo estimulante) que, por sua vez, atuarão nas gônadas.

Nos homens, o LH, nas células de Leydig, estimulará a produção de testosterona e o FSH, nas células de Sertoli, controlará a espermatogênese. Todavia, quando há a administração exógena de EAAs há, por feedback negativo, inibição deste eixo. O que acarreta baixa produção endógena de testosterona e disfunção na fertilidade. O amplamente difundido efeito colateral de baixa libido e disfunção erétil acontece, normalmente, quando não há administração de EAAs derivados da testosterona (apenas dos seus derivados – DHT) ou quando cessa esse uso, devido à inibição da produção endógena. O reestabelecimento do eixo é variável, entretanto normalmente demora de 3 a 6 meses, podendo ser reestabelecido mais rapidamente com a realização de terapia pós-ciclo (TPC).

Vale ressaltar que, no que se refere ao uso por praticantes recreativos, nem sempre é por almejar performance, mas por insatisfação corporal, potencializada pela grande divulgação nas redes sociais de um padrão corporal de difícil alcance. Portanto, nosso papel como nutricionista é conscientizar sobre os efeitos colaterais provenientes do uso (abordados abaixo) e ajudar na obtenção de um corpo que satisfaça o indivíduo.

A produção endógena de testosterona varia interpessoalmente e intergêneros, em homens (2,5-11mg/dia) e mulheres (0,3mg/dia). Entretanto, as doses usualmente utilizadas são de 10 a 20 vezes maiores que a produção natural em homens e 20 a 30 vezes em mulheres, o que gera uma série de complicações derivadas desse abuso. Além disso, há um grande perigo pela fonte de obtenção desses fármacos, a grande maioria no mercado negro, por laboratórios undergrounds que não sabemos qual condição higiênico-sanitária são produzidos.

Os efeitos colaterais são muito frequentes, abaixo, uma tabela mostrando a prevalência dos mesmos em uma amostra de 500 usuários, sendo que apenas 4 não tiveram nenhum colateral e a grande maioria apresentava 2 ou mais:

Simultaneamente ao uso dessas substâncias há uma utilização de vários medicamentos com o objetivo de potencializar o uso dos anabolizantes, dentre esses medicamentos estão: agentes anabolizantes acessórios (insulina, GH) e estimulantes (efedrina, T3, T4), além de fármacos com o objetivo de contornar ou minimizar os efeitos colaterais.

Os efeitos colaterais variam de pessoa para pessoa, mas dependerão normalmente de dose, tempo de administração e tipo de fármaco utilizado. Normalmente os indivíduos que fazem a utilização se preocupam muito com os efeitos colaterais estéticos, como por exemplo, acne e ginecomastia. Porém, os principais são: alteração dislipidêmica (diminuição de HDL e aumento de LDL), hipertrofia concêntrica do coração, aumento de placas de aterosclerose com acúmulo de anos em uso, sendo este um perfil propenso à problemas cardiovasculares nesses indivíduos.

Outro efeito colateral muito negligenciado é a alteração comportamental, normalmente associado ao aumento da agressividade, compulsividade e ansiedade, fato que propicia atitudes movidas pelo impulso. Além disso, quando o uso é cessado o eixo está inibido, por essa desregulação hormonal há o risco de desencadear o aparecimento de quadros depressão.

O quadro abaixo resume as principais alterações metabólicas que o uso de EAAs em dose suprafisiológicas acarreta ao indivíduo:

Portanto, é de suma importância, nós, como nutricionistas, entendermos as possíveis alterações provenientes desse uso (aumento do risco cardiovascular, aumento na resistência insulina, dislipidemias, aumento da adiposidade abdominal (gordura visceral)) para, por meio da alimentação, ajudá-los a chegarem nos seus objetivos com uma maior segurança, modulando esses fatores para que a alimentação não contribua, ainda mais, nos riscos cardiovasculares.

Frente ao maior risco cardiovascular alguns suplementos que podem ter benefícios para esse público é o ômega-3 e alguns compostos antioxidantes. No que tange ao consumo proteico, embora exista um mito que há maior necessidade de proteína nesse público isso não é necessariamente verdade, isso porque, embora a síntese de proteína muscular esteja aumentada, a quebra é também reduzida pelo efeito antagonista dos androgênios nos receptores de glicocorticoides, o que faz com que haja uma redução da proteólise causada por essas substâncias e dessa forma não haja, na maioria dos casos, a necessidade de ultrapassar as 2,5g/kg nesse público.

Outro ponto importante é, que apesar de ser efetivo para o ganho de massa muscular, a utilização dessas substâncias – como discorrido acima – não é segura, podendo haver diversos efeitos indesejáveis, e, no que tange a legalidade, nós, como nutricionistas não estamos aptos a prescrever, indicar, vender, fornecer, nem estimular o uso dessas substâncias, devendo sempre que possível, desaconselhar o uso e trabalhar com as ferramentas disponíveis para melhorar a qualidade de vida e a saúde quando deparar com algum paciente fazendo uso dessas substâncias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAHIN, Odilon Salim Costa; DE SOUSA, Evitom Corrêa. Esteroides anabolizantes androgênicos e seus efeitos colaterais: Uma revisão crítico-científica. Revista da Educacao Fisica v. 24, n. 4, p. 669–679 , 2013.

ALTHOBITI, Sami et al. Prevalence, Attitude, Knowledge, and Practice of Anabolic Androgenic Steroid (AAS) Use Among Gym Participants. Materia Socio Medica v. 30, n. 1, p. 49, 2018.

BAGGISH, Aaron et al. Cardiovascular Toxicity of Illicit Anabolic-Androgenic Steroid Use. Circulation v. 135, n. 21, p. 1991–2002 , 2017.

BARBALHO, Matheus de Siqueira Mendes; BARREIROS, Fabio Pereira. The Use of Anabolic- Androgenic Steroids in Sports. Sports Medicine v. 5, n. 5, p. 171–179 , 2015.

BHASIN, Shalender et al. Testosterone dose-response relationships in healthy young men. American Journal of Physiology – Endocrinology and Metabolism v. 281, n. 6 44-6, p. 1172–1181 , 2001.

BLOUIN, Karine; BOIVIN, Ariane; TCHERNOF, André. Androgens and body fat distribution. Journal of Steroid Biochemistry and Molecular Biology v. 108, n. 3–5, p. 272–280 , 2008.

CHRISTOU, Maria A. et al. Effects of Anabolic Androgenic Steroids on the Reproductive System of Athletes and Recreational Users: A Systematic Review and Meta-Analysis. Sports Medicine v. 47, n. 9, p. 1869–1883 , 2017.

DE SIQUEIRA NOGUEIRA, Fabiana Ranielle et al. Anabolic-androgenic steroid use among brazilian bodybuilders. Substance Use and Misuse v. 49, n. 9, p. 1138–1145 , 2014.

HORWITZ, H.; ANDERSEN, J. T.; DALHOFF, K. P. Health consequences of androgenic anabolic steroid use. Journal of Internal Medicine v. 285, n. 3, p. 333–340 , 2019.

HUANG, Grace; BASARIA, Shehzad. Do anabolic-androgenic steroids have performance-enhancing effects in female athletes? Molecular and Cellular Endocrinology v. 464, p. 56–64 , 15 mar. 2018.

IP, Eric J. et al. Characteristics and behaviors of older male anabolic steroid users. Journal of Pharmacy Practice v. 28, n. 5, p. 450–456 , 2015.

MCBRIDE, J. Abram; CARSON, Culley C.; COWARD, Robert M. The Availability and Acquisition of Illicit Anabolic Androgenic Steroids and Testosterone Preparations on the Internet. American Journal of Men’s Health v. 12, n. 5, p. 1352–1357 , 2018.

MOORE, David et al. Masculinities, practices and meanings: A critical analysis of recent literature on the use of performance- and image-enhancing drugs among men. Health: An Interdisciplinary Journal for the Social Study of Health, Illness and Medicine n. 2, p. 1–18 , 2019.

PARKINSON, Andrew B.; EVANS, Nick A. Anabolic androgenic steroids: A survey of 500 users. Medicine and Science in Sports and Exercise v. 38, n. 4, p. 644–651 , 2006.

POMARA, Cristoforo et al. Neurotoxicity by Synthetic Androgen Steroids: Oxidative Stress, Apoptosis, and Neuropathology: A Review. Current Neuropharmacology v. 13, n. 1, p. 132–145 , 2015.

SAGOE, Dominic et al. The global epidemiology of anabolic-androgenic steroid use: A meta-analysis and meta-regression analysis. Annals of Epidemiology v. 24, n. 5, p. 383–398 , 2014.