As bebidas alcoólicas são globalmente consumidas de forma recreativa. Esse consumo contribuiu para 3 milhões de mortes em 2016 no mundo segundo a OMS (WHO, 2019). Em 2020, quando explodiu a pandemia de COVID-19 no Brasil, foram impostas medidas de distanciamento social para controlar a disseminação do vírus. O grande problema dessas medidas é que elas podem servir como gatilho para o uso de álcool. Isso porque o pânico e o estresse são fatores de risco para o consumo de bebidas alcoólicas (CLAY; PARKER, 2020; RAMALHO, 2020).
Por isso, entender os prejuízos que o consumo de álcool causa, seja em pouca ou grande quantidade, é uma competência fundamental para qualquer profissional da área da saúde. Dessa forma, o objetivo desse texto é mostrar os principais efeitos agudos e crônicos do álcool para indivíduos que praticam atividade física.
Evidências consistentes mostram que o consumo de álcool antes ou durante uma refeição impacta diretamente na ingestão alimentar da mesma (YEOMANS, 2004). Os mecanismos por trás dessa modificação aguda ainda não foram completamente elucidados. Porém, os supostos mecanismos que implicam nas alterações vistas no consumo alimentar provavelmente são: inibição de leptina, GLP-1 e serotonina e aumento de GABA e NPY (KWOK et al., 2019; YEOMANS; CATON; HETHERINGTON, 2003).
Todavia, há ainda outros mecanismos potenciais que são frequentemente associados aos distúrbios do sistema de recompensa, o que foi comprovado por um estudo que administrou 20 gramas de álcool. Como resultado desse estudo, houve o aumento do consumo de calorias ad libitum do almoço em 11% comparado ao grupo que não consumiu álcool. Ainda nesse mesmo estudo, observou-se que o consumo de álcool impacta diretamente nas escolhas alimentares, havendo preferência para alimentos salgados e gordurosos em detrimento de doces (SCHRIEKS et al., 2015), o que é observado nos alimentos comumente consumidos nas mesas de bares, como petiscos, por exemplo.
Essas alterações podem ser atribuídas, provavelmente, ao efeito inibidor do álcool no córtex pré-frontal, região responsável pela tomada de decisão racional. Desse modo, com o consumo alcoólico, há a tendência de ficarmos com menos autocontrole e à mercê de nossos impulsos e desejos (ABERNATHY; CHANDLER; WOODWARD, 2010).
Uma meta-análise sobre os efeitos do álcool na ingestão energética concluiu que o consumo de bebidas alcoólicas, em baixas ou altas doses, aumentou significantemente a ingestão calórica total (KWOK et al., 2019). Ainda foi observado um efeito dose-resposta, ou seja, quanto maior a dose de álcool, maior a quantidade de calorias consumidas.
É importante ressaltar que os efeitos agudos na ingestão alimentar diferem dos efeitos do consumo crônico. Isso porque esse último é, ao contrário do consumo agudo, frequentemente associado com uma redução do apetite e do consumo calórico. Essa redução do consumo, associada às alterações no sistema digestivo que prejudicam a absorção de nutrientes, pode resultar na perda de peso e má-nutrição em indivíduos que consomem álcool frequentemente (ROSE; HARDMAN; CHRISTIANSEN, 2015).
Além de todas essas alterações no consumo, o álcool é um nutriente de alta densidade energética, possuindo, por grama, 7kcal. Assim, seu consumo excessivo proporciona um aumento na quantidade calórica obtida da dieta, e, por isso, tem sido positivamente associado ao aumento da massa corporal. Alguns dados sugerem que o álcool é associado com uma maior razão cintura/quadril, promovendo a obesidade abdominal (HIRAKAWA et al., 2014; YEOMANS; CATON; HETHERINGTON, 2003), o que é um alerta, visto que o acúmulo de gordura visceral é um importante fator de risco para alterações metabólicas.
Na performance, o álcool pode prejudicar o rendimento esportivo, pois, além dele contribuir com o ganho de peso, ele também pode colaborar para a desidratação. O mecanismo por trás da desidratação induzida pelo etanol é a inibição do hormônio antidiurético (ADH). Além disso, o álcool também é um potente vasodilatador periférico, aumentando a perda de líquidos pela evaporação do suor (VELLA; CAMERON-SMITH, 2010).
O principal problema do álcool na performance, todavia, é o impacto na recuperação. O álcool ingerido imediatamente após um exercício pode gerar um prejuízo na ressíntese de glicogênio. Além disso, o álcool suprime vias de anabolismo, como a via do mTOR, e aumenta a expressão de vias relacionadas ao catabolismo, como MuRF1 e atrogina-1 (PARR et al., 2014). Essas modificações, quando crônicas, estão associadas à miopatias que resultam em atrofia muscular (LAKI, 2019; STEINER et al., 2015; VELLA; CAMERON-SMITH, 2010).
Ainda, o álcool prejudica a função imune, podendo levar a uma maior susceptibilidade à doenças e infecções. Além disso, o consumo de álcool é associado à redução da qualidade e duração do sono, seja de forma direta, através do impacto do álcool no processo do sono, ou indireta, como resultado do indivíduo estar acordado até mais tarde consumindo álcool à noite (BARNES, 2014).
Portanto, para concluir, devido a todos os efeitos deletérios citados acima é importante, como profissional da saúde, sempre tentar reduzir o consumo de álcool pelo paciente.
Para aqueles que praticam esportes como hobbies são consistentes e disciplinados com sua rotina, é possível levar um estilo de vida saudável, ter um corpo bonito e beber esporadicamente. Isso porque, mesmo que o consumo atrapalhe a sinalização e a recuperação pontual no dia, ele não será suficiente para contrapor uma rotina de treino e dieta.
Entretanto, quando falamos de atletas, a melhor alternativa é não ingerir álcool, devido as diferenças entre o campeão e o segundo lugar serem muito pequenas. Todavia, caso esse indivíduo ainda decida beber, deve ser orientado a manter uma boa hidratação e tentar voltar à rotina o mais rápido possível.
Vale ressaltar, por fim, que os efeitos deletérios do álcool são dependentes do horário, da quantidade e do status nutricional individual. Por isso, entender todas as alterações metabólicas causadas pelo consumo é fundamental para traçar estratégias com o intuito de minimizar seus efeitos prejudiciais.
CURIOSIDADE – Por que temos ressaca?
Nosso fígado consegue depurar em torno de uma dose de bebida, que daria mais ou menos 300 ml de cerveja a cada hora. Quando ultrapassamos esse limite de consumo por hora, há um acúmulo de acetaldeído, um metabólito tóxico, o que gera uma intoxicação aguda, causando alguns sintomas característicos.
Ainda, alguns dos sintomas da ressaca, como boca seca e dor de cabeça, são resultado da desidratação. Esta, por sua vez, é causada pela falta de ingestão de água e pelo aumento da diurese quando se ingere bebidas alcoólicas.
Por isso, para evitar sentir ressaca no dia seguinte é importante além de ter moderação no consumo alcoólico, alternar as doses de bebidas alcoólicas com copos de água.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ABERNATHY, Kenneth; CHANDLER, L. Judson; WOODWARD, John J. Alcohol and the Prefrontal Cortex. International Review of Neurobiology, v. 91, p. 289–320, 2010.
BARNES, Matthew J. Alcohol: Impact on Sports Performance and Recovery in Male Athletes. 2014.
CLAY, James M.; PARKER, Matthew O. Alcohol use and misuse during the COVID-19 pandemic: a potential public health crisis? The Lancet Public Health, 2020.
HIRAKAWA, Miharu et al. Relationship between Alcohol Intake and Risk Factors for Metabolic Syndrome in Men. Internal Medicine, v. 54, n. 17, p. 2139–2145, 2014.
KWOK, Alastair et al. Effect of alcohol consumption on food energy intake: A systematic review and meta-analysis. British Journal of Nutrition, v. 121, n. 5, p. 481–495, 2019.
LAKI, Nemanja. The Effects of Alcohol Consumption on Recovery Following Resistance Exercise: A Systematic Review. 2019.
PARR, Evelyn B. et al. Alcohol ingestion impairs maximal post-exercise rates of myofibrillar protein synthesis following a single bout of concurrent training. PLoS ONE, v. 9, n. 2, p. 1–9, 2014.
RAMALHO, Rodrigo. Alcohol consumption and alcohol-related problems during the COVID-19 pandemic: a narrative review. Australasian Psychiatry, v. 28, n. 5, p. 524–526, 2020.
ROSE, A. K.; HARDMAN, C. A.; CHRISTIANSEN, P. The effects of a priming dose of alcohol and drinking environment on snack food intake. Appetite, v. 95, p. 341–348, 2015.
SCHRIEKS, Ilse C. et al. Moderate alcohol consumption stimulates food intake and food reward of savoury foods. Appetite, v. 89, p. 77–83, 2015.
STEINER, Jennifer L et al. Dysregulation of Skeletal Muscle Protein Metabolism by Alcohol. American Journal of Physiology-Endocrinology and Metabolism, v. 308, n. 9, p. e699-700, 2015.
VELLA, Luke D.; CAMERON-SMITH, David. Alcohol, athletic performance and recovery. Nutrients, v. 2, n. 8, p. 781–789, 2010.
WHO. Global status report on alcohol and health 2018. World Health Organization, 2019.
YEOMANS, Martin R. Effects of alcohol on food and energy intake in human subjects: evidence for passive and active over-consumption of energy. British Journal of Nutrition, v. 92, n. S1, p. S31–S34, 2004.
YEOMANS, Martin R.; CATON, Samantha; HETHERINGTON, Marion M. Alcohol and food intake. Current Opinion in Clinical Nutrition and Metabolic Care, v. 6, n. 6, p. 639–644, 2003.
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